Existem monstros perfeitos? Existem pessoas totalmente monstruosas?
Muitos falam que Adolf Hitler foi um monstro, e eu concordo. Ele fez, e levou uma nação (aliás, mais
de uma) a fazer coisas realmente monstruosas. Mas nem ele foi o monstro
prefeito, alguém totalmente monstruoso.
O ator Bruno Ganz foi muito criticado pela forma com que ele interpretou Hitler no filme A Queda! As Últimas Horas de Hitler,
pois ele mostrou um lado humano de Hitler, personagem histórico que
muitos veem como um monstro. Ele interpretou um Hitler monstruosamente
humano, e humanamente monstruoso. O Hitler interpretado por ele tinha um
lado humano, que poderia ser doce e amigável com as pessoas,
especialmente com algumas pessoas, mas que tinha um lado desumano
monstruoso e horrível. (O filme começa com ele sendo empático e
atencioso com uma candidata a secretária que estava nervosa na
entrevista.) O Bruno Ganz fez uma atuação impressionante, sensacional.
O
que talvez tenha assustado muita gente é que isto possa acontecer, que
ninguém é completamente monstruoso como alguns pensam. Muitas pessoas
esperavam que ele interpretasse um Hitler totalmente monstruoso, e não
um parecido com o real. Isto seria caricato e irreal.
O
outro lado que assusta, e que poucos querem admitir, é que todos são
monstros em potencial (Você mesmo que lê este texto, eu, eles etc.).
Todos podem ser monstros dependendo da situação, do contexto, de quem
seguem etc. E esta interpretação de Hitler deixou isto exposto. Todos
tem um monstro em potencial dentro de si.
Este
monstro tem que sempre estar sendo questionado, contido, desconstruído, e
isto exige um trabalho grande de autocrítica constante, de
autovigilância constante, que poucos estão acostumados a fazer. E mesmo
assim não há garantias.
Estudar história,
especialmente entendendo os processos históricos, ajuda muito nisto,
pois dá referências, exemplos e críticas. O trabalho de Hannah Arendt sobre banalização do mal é importante nisto. Como pessoas se tornaram monstros sem se darem conta.
Mas
já vi gente alimentando seus próprios monstros, e alimentando uns dos
outros, intencionalmente. Isto tem consequências, e não são boas. Em
alguns casos por acharem isto divertido.
A
empatia é uma das melhores formas de conter seus monstros. É entender e
se colocar no lugar dos outros. É entender o sofrimento dos outros. É
entender como os outros pensam e agem. E infelizmente a empatia está em
baixa. Em alguns parece nem mais existir. E a raiva é uma das coisas que
mais anulam a empatia.
E a Suzy? Sim, ela
cometeu uma monstruosidade. O crime que ela cometeu é um destes que doem
só de imaginar, de imaginar as consequências, de se colocar no lugar da
vítima, da sua família etc. Isto se o que dizem que ela cometeu é real.
E ela está cumprindo uma longa pena por causa disto, como tem que ser.
Mas
ela é um monstro perfeito? Ela é alguém sem sentimento? Duvido.
Praticamente ninguém é assim, se é que existe alguém assim. Nem Hitler
foi.
Será que ajuda a uma pessoa ser mais
humana, mais empática, a entender que cometeu algo errado etc, se a
taxarmos de monstro, dizer que não tem salvação, não tem solução? Será
que isto não seria incentivo para ela se tornar mais monstruosa ainda,
para assumir de vez este papel que jogam nela? Será que não deveria ser
mostrado a ela que existe outra opção, outra forma de ser?
A
TV Globo poderia ter evitado toda esta polêmica se selecionasse as
entrevistadas pelas fichas criminais, mas isto complicaria o processo de
produção, e não estava em pauta. Os crimes delas não estavam em pauta.
Poderia ter escolhido presas com penas menores, pois penas mais longas
costumam significar crimes sérios. Teria se protegido e protegido a
Suzy. Mas esta polêmica deveria ser evitada? Ou deveria ser jogada no ar
mesmo? Acho que uma entrevistada com pena longa poderia reforçar a
matéria, a pauta.
Quando soube que a Suzy
estava a 8 anos sem visitas eu pensei "Pena longa. Deve ter sido algo
sério.". Me bateu alguma curiosidade, mas pequena. Achei que não
importava. Era alguém que precisava naquela hora de uma manifestação de
empatia. De se sentir gente. E acho que foi o mesmo que o Dráuzio
Varella pensou.
Se sentir que pode ser gente pode fazer parte de um processo de reintegração na sociedade.
E
por que taxá-la como monstro? Por que jogar o seu ódio contra ela, que
já está condenada e presa? Do que adianta? Lá atrás falei que o ódio é
eficiente para anular a empatia, e que ter empatia é uma forma de evitar
que a pessoa se torne um monstro. Será que ao destilar ódio contra ela
você estará se transformando em um monstro? Desejar o mal a uma pessoa
que fez um mal, e já está sendo penalizada por isto, não estaria te
transformando em um monstro? O que você imagina nestas horas de ódio?
Monstruosidades?
Crimes sexuais são hediondos,
mas tem gente que explora isto incentivando penas hediondas contra estes
criminosos. Será que estes incentivadores não estariam alimentando os
monstros dentro das pessoas, incentivando também que elas se tornem
monstros?
Será que quem diz "bandido bom é
bandido morto" já não se tornou um monstro? Não perdeu a sua humanidade
desumanizando o outro, rotulando o outro como monstro?
E
eu acho que a polêmica realmente deveria ser jogada no ar. Ela serve
para discutir, para pensar, e ver o nível de empatia e como as pessoas
encaram a situação. Mas também acho que muita gente não está pronta para
ela.
PS: Antes que alguns falem, eu não estou
defendendo Hitler, nem a Suzy, de seus crimes, e nem comparando ele com
ela (Seria uma grande desonestidade intelectual fazer uma comparação
direta entre estas duas pessoas.). Estou só tentando entender eles como
pessoas, e não taxá-lo simplesmente como monstros, pois acho isto
contraproducente. Contraproducente a ponto de ajudar a criar monstros.